A mulher ficou sentada esperando o início do almoço, pediu uma água para Kamila e mexia distraidamente em sua bolsa. Logo, o restaurante já estava todo pronto para servir, e o movimento aumentou um pouco, mas ainda longe do suficiente.
— Ô meu Deus, manda mais clientes! Nós precisamos tanto deste emprego — disse Letícia, olhando para o alto e depois para Kamila — o negócio não tá bonito não.
— Letícia — respondeu Kamila — eu sei que semana passada já saí cedo para cuidar do curso de informática, mas hoje quero passar na casa da minha mãe para ver a Pérola. Estou morrendo de saudades.
— Tudo bem, eu quebro essa pra você e, se o chefe perguntar, digo que foi programado.
— Obrigada, viu, amiga? Obrigada mesmo.
— Kamila, trate de resolver essa situação e leve a Pérola para morar com você. Vai ser melhor.
— Já estou cuidando disso, Letícia. Minha filha vai morar comigo em breve.
O horário de almoço passou voando e o restaurante já estava vazio. Samuel ainda permanecia por ali, lembrou de Davi e resolveu levar algo para ele comer, mesmo o amigo tendo dito que não estava com fome. Ao chegar na redação do jornal, encontrou Moisés Vilar conversando com Lúcio e Davi.
— Bom, vou ser breve — disse Moisés — estou de olho no serviço e no desempenho de todos os meus funcionários e vocês sabem o quanto acredito no potencial de cada um e na oportunidade de crescimento aqui dentro. Diante disso, quero convidar o Davi para assumir a administração do jornal juntamente com o Lúcio. Eles irão trabalhar lado a lado para que o jornal físico e digital chegue às pessoas impecável e dinâmico. Estão de acordo?
Todos os doze funcionários da redação aplaudiram e concordaram, dizendo que Davi realmente merecia essa oportunidade, exceto Fred, um jornalista ambicioso e mentiroso que, entre os dentes, fingiu se alegrar com a promoção do colega. Ao terminar o anúncio, ele correu ao banheiro e, tomado pela raiva, chorou muito.
— Não acredito! Trabalho aqui há dez anos e não consegui uma promoção — disse entre soluços. — Só passei de faxineiro para alguém que só responde e-mails. Isso não vai ficar assim! Este lugar era pra ser meu e...
Lúcio entrou, viu Fred se lamentando e disse:
— Ora, o que temos aqui? Um rapaz insatisfeito com a promoção do colega de equipe. Sabia que posso te prejudicar por isso? O Davi não pode ser melhor do que você? Eu te avisei, Fred, você não quis me ouvir e, no mais...
— Cala a boca, Lúcio! Está nos seus olhos que você também não ficou nada satisfeito com essa notícia. Você detesta o Davi, eu não. Só estou inconformado com o que o Moisés fez.
— Humm! Esperto você. Talvez, se juntássemos nossas forças, poderíamos, sei lá, tirar essa pedra do nosso caminho.
— Eu, fazer acordo contigo? Nem pensar. Tô fora. Prefiro engolir “guela” abaixo isso e ficar no meu canto.
— Tá. Como quiser. Achei que você poderia querer armar alguma coisa pra tirar o Davi daqui, assim como fez com o Gabriel, o Eliseu e a Tânia. Só não falei nada porque eles me irritavam, e você acabou me fazendo um favor.
— Você não vale nada, Lúcio.
— Eu sei. Não ligo para quem diz isso. Pensa com carinho e depois me procura. Te pago bem.
Lúcio se retirou do banheiro, e Fred, pensativo, ficou olhando para o espelho. Lavou o rosto e voltou para sua mesa.
Enquanto isso, Davi tinha acabado de receber os cumprimentos dos colegas e abraçou fortemente Samuel.
— Conto com o seu apoio, amigo. Vai ser duro trabalhar lado a lado com o Lúcio, mas não vou desistir.
— Isso mesmo. Você sabe que tem sempre o meu apoio. Para comemorar, trouxe uma quentinha para você. Você ficou procurando esse seu poema e não comeu nada.
— Verdade. E não achei o poema, tô mal por isso.
— A Kamila, lá do restaurante, estava com um versinho na mão. Acho que é seu.
— Sério?
— Sim.
— Vou lá agora. Esses versos são importantíssimos para mim.
— Espera, Davi, come primeiro e...
Davi saiu correndo, e Samuel colocou a quentinha na mesa do amigo, vendo mais um verso que ele havia escrito:
“Cansei de mim,
pois há passados que me torturam.
Tão sem fim,
são as dores que perduram.
Dei tudo de mim,
E por mais que o tempo passe,
ao invés de paz,
tenho sentimentos que me amarguram.”
Davi Emanuel
— Meu Deus! Por que o Davi escreve essas coisas tão cheias de sentimentos?! Isso não é normal. Parece que está querendo dizer algo. Vou ter que descobrir. Meu amigo pode estar precisando de ajuda.
Samuel ficou pensando no verso e depois voltou ao trabalho.
Já Davi, ao chegar no restaurante, entrou tão depressa que esbarrou naquela mulher cheia das poses que estava saindo do estabelecimento. Ele se desculpou sem olhar para ela e foi direto ao caixa onde Letícia estava.
— Letícia! Preciso lhe perguntar uma coisa.
— Nossa, Davi, se for almoço, acabamos de retirar. Não vai dar mais.
— Não, não é isso. Você ou alguém aqui por acaso achou um versinho, um poema caído no chão ou em cima da mesa?
— Um versinho?! Ah, sim! Lembro. Então é você o poeta? Por que nunca me contou que escreve coisas tão bonitas?
— É algo bem pessoal, Letícia. Geralmente, quando me vejo, já estou com caneta e papel na mão. Acredito no poder das palavras.
— Vou pegar para você. Eu deixei na minha bolsa, mas depois tirei e coloquei aqui nessa gaveta. Caso o dono ou dona aparecesse, eu... Ora, não está mais aqui. Será que a Kamila pegou?
Naquela hora, Letícia lembrou que Kamila segurava um papel enquanto conversava com Samuel e que não a viu colocá-lo no lugar.
— Poxa, Davi, eu tinha deixado bem aqui, mas deve ter voado ou alguém mexeu. Fica tranquilo, amanhã vou procurar direito. Estou cansada, acabei de ajeitar tudo e vou embora. Santana, Edivaldo, fechem o restaurante hoje para mim?
Eles, que terminavam de varrer a frente, assentiram com a cabeça, e Letícia foi saindo de trás do balcão. Davi disse:
— Obrigado. Tomara que você ache. Às vezes, o que a boca não consegue falar, a alma fala por meio das palavras.
— Verdade! A gente podia marcar de sair hoje. Aí você me conta mais sobre esse seu lado poeta que eu não conhecia.
— Tá bom. Obrigado. Te ligo mais tarde.
Davi retornou à redação frustrado e continuou o seu trabalho.
Enquanto isso, Kamila, que havia saído mais cedo, foi até a casa de sua mãe, dona Laura, ver sua filha. Ao chegar, teve uma grande surpresa.
— Como assim, a Pérola não está aqui, mãe?
— Ora, filha, você sabe como a Rita é. Ela esteve aqui ontem e levou a Pérola. Disse que, como mãe do pai da Pérola, tem o direito de passar um tempo com a neta.
— Claro que ela tem direito, mas tinha que me avisar. A senhora devia ter me ligado.
— Filha, meu celular está estragado, e para mim despencar daqui do Cruzado até a Baixada Formosa é uma vida. Não tenho mais disposição pra isso.
Você sabe como a Rita é, vai fazer de tudo para segurar a menina de novo com ela.
— Eu sei, já te disse isso. Aquela mulher não presta. Mas se for olhar bem, a Pérola ficou a vida toda com ela. A menina está mais acostumada com ela do que comigo, que sou a mãe. Também, você foi se envolver com o filho daquela mulher.
— Não fale assim do Silas. Ele foi um grande homem para mim.
— Tão grande que sumiu no mundo há oito anos e, até hoje, se não fosse tido como morto, nem teria dado as caras por aqui.
— Chega, mãe!
Kamila pegou a foto da filha que estava sobre a mesa de centro, abraçou-a forte e disse:
— Minha filha, a mamãe está indo atrás de você.
Continua...
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