Lúcio sempre se sentiu incomodado com a presença de Davi no jornal e se arrependia amargamente de ter ensinado tudo ao rapaz quando ele ainda era apenas um estagiário.
— Ele cresceu rapidamente aqui, sabe o serviço de todo mundo... Daqui a pouco, vai querer pegar o meu lugar.
— Ah! Então é isso — disse Teresa. — Agora entendi por que você quer tanto que o Davi não trabalhe mais aqui. E olha que foi você mesmo quem ensinou tudo a ele.
— Ensinei, sim. Eu queria prestígio com o chefão. Você sabe como o Moisés Vilar é com os estagiários — sempre achando que eles vão se tornar isso ou aquilo no futuro. Mas o Davi está indo rápido demais, e eu vejo muito bem como o Moisés fica olhando pra ele.
— Por que, então, você não contou dos erros cometidos nas matérias?
— Ora, eu contei, mas o Moisés ligou? Disse que são coisas que podem acontecer com qualquer um, e tal.
— E o que você vai fazer, então?
— Já disse: tenho umas ideias na cabeça, só preciso amadurecê-las. Enquanto isso, deixa o poeta poetizar.
Davi ficou sem graça a manhã toda pelo ocorrido com Lúcio.
Permaneceu mais calado, pensativo e focado em seu trabalho.
Foi quando se lembrou que havia escrito um verso no restaurante no dia anterior e que não sabia onde estava. Começou a vasculhar sua mochila.
— O que você tanto procura nessa sua mochila, Davi? — perguntou Raul. — Parece até que está procurando dinheiro!
— É só um bilhete que achei que tinha guardado ontem, mas não o encontro.
— Calma, amigo — disse Samuel. — Com certeza é mais um versinho, não é? Davi, você está brincando com fogo...
— Fique tranquilo, Samuel. Já lhe disse que o Lúcio não me assusta.
— Bom, eu vou nessa. Vou almoçar agora. Vem comigo hoje, Raul?
— Não. Vou almoçar no "Casa Branca" mesmo. Obrigado pelo convite, Samuel.
— E você, Davi? Vai ficar aí procurando esse tal papel?
— Vou sim. Hoje estou sem apetite. Mande um abraço para a Letícia.
No restaurante...
— Nossa, amiga... parece que isso aqui não vai bombar hoje.
Aquela empresa de laticínios está fechada porque morreu um parente do dono, e todo mundo foi dispensado — ficaram só os que não podem parar mesmo, e...
— Desculpa, eu não prestei muita atenção no que você falou.
Tô preocupada, amiga.
As entradas do restaurante, por mais que tragam movimento, não são suficientes pra bancar todas as despesas.
Meu medo é que o Arnaldo tenha que mandar alguém embora.
— Vira essa boca pra lá! Eu não posso perder meu emprego. Você sabe que tenho uma filha pra criar.
Ela está morando com a avó, mas é só por pouco tempo...
— Pouco tempo, amiga? Sua filha nunca morou com você...
Vou te dar um conselho: resolve isso logo, porque quanto mais velha ela ficar, mais revoltada por ter sido “abandonada” ela vai ficar.
Bom, vou lá dentro ver se a comida já tá liberada pra gente trazer.
Kamila ficou ali pensativa, e logo que Letícia entrou na cozinha, ela foi até sua agenda e pegou o versinho que a amiga havia achado no chão do restaurante.
Encantada mais uma vez com as palavras, suspirou:
— Que romântico! Meu Deus... Quem será esse poeta que escreve essas belezuras?
Bom... pode ser poeta mulher também.
Nossa, aí complicou pra mim... Afinal...
Samuel entra no restaurante, vai até o balcão e encontra Kamila falando sozinha.
— Que é isso, Kamila? Deu pra falar sozinha agora, foi?
— Sabe o que é, Samuca? Olha esse versinho que achamos no chão do restaurante.
Vê se não é a coisa mais romântica do mundo!
— Bonito mesmo... Mas isso aí é do...
Eles são interrompidos por uma mulher cheia das poses, que entra no estabelecimento arrastando uma mala.
— Um absurdo! Numa cidade dessa, não ter um táxi pra me levar até um hotel!
Samuel e Kamila se entreolham, observando a mulher que, nervosa, continua:
— Ei! Algum de vocês dois funcionários não vai me atender? Vão ficar aí me olhando com cara de paisagem?
Letícia aparece segurando uma travessa de lasanha nas mãos, coloca-a sobre o balcão e pergunta:
— Mas que gritaria é essa aqui, gente? O que está acontecendo?
— Aquela mulher ali chegou gritando — justificou Kamila. — A gente não fez nada.
— Calma, minha senhora — disse Letícia. — Nós...
— Senhora? Olha pra mim!
Sou uma mulher de classe, uma senhorita da mais alta categoria da Europa!
— Ah, sim, tudo bem...
Mas sente-se ali, que quando o restaurante abrir definitivamente, você será atendida.
(Letícia não esticou assunto, deu as costas, pegou a travessa de lasanha e retornou para a cozinha.)
— Que mulher estranha — sussurrou Samuel.
— Verdade. Já vi que hoje vai ser daqueles dias...
Continua...
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